Como lidar com a ausência de gestos românticos

Notal: Este é um relato pessoal. 
Não substitui apoio psicológico. Se estiver em crise, busque ajuda especializada: você não está sozinho(a).

Há relações que funcionam. Com parceria, estabilidade e uma rotina tranquila. Mas, mesmo assim, falta algo que não se nomeia com facilidade: os pequenos gestos que fazem o coração se sentir lembrado.

Um “eu te amo” fora de data. Um presente inesperado. Um abraço que dura mais do que o necessário. Quando esses sinais somem, a dúvida aparece em silêncio: “Será que o amor ainda está aqui?”

Este texto é para quem já se fez essa pergunta. Para quem convive com o cuidado do outro, mas sente falta do carinho que aquece. Para quem vive um relacionamento estável, mas se ressente da ausência de gestos românticos – e quer aprender a lidar com essa falta sem se silenciar.

E se o amor estiver ali, mas não souber se mostrar?

Essa pergunta me acompanhou por muito tempo. Associei demonstrações de afeto a gestos visíveis: presentes inesperados, declarações espontâneas, surpresas em datas especiais. Imaginava que o amor se revelava nos atos – e que, se eles não apareciam, era sinal de que algo faltava.

Mas viver um relacionamento duradouro me ensinou outra coisa: o silêncio também comunica. Às vezes, o que pesa não é a ausência do amor, mas a forma como ele não sabe se mostrar – como se existisse, mas falasse outra língua.

O amor que não se manifesta como o meu

Em um relacionamento de longa data, percebi que os gestos espontâneos de afeto foram se tornando cada vez mais raros. Nos primeiros anos, havia presentes ocasionais, pequenas surpresas. Com o tempo, isso foi diminuindo. As palavras de amor também se tornaram escassas – declarações como “eu te amo” passaram a praticamente não existir.

No dia a dia, há convivência, cuidado prático, uma rotina em comum. Mas a ausência dessas expressões mais afetivas começou, silenciosamente, a pesar.

Por outro lado, existe convivência, parceria nas rotinas diárias e um certo senso de estabilidade compartilhada. Quando solicitei ajuda, ela veio. Há gostos em comum, entendimento mútuo sobre o cotidiano e uma vida construída com respeito e previsibilidade.

Por muito tempo, tentei convencer a mim mesma de que tudo bem. Que presentes eram superficiais. Que declarações não significavam tanto quanto o companheirismo do dia a dia. E, em partes, isso é verdade. Mas outra parte de mim dizia em silêncio: “Eu também gostaria de receber de outra forma.”

A ausência que machuca (mesmo quando não falamos dela)

Tem algo curioso que acontece quando não nos sentimos suficientemente amadas, mas temos medo de parecer exigentes: a gente finge que não importa.

Mas importa.

Com o tempo, ficou claro que meu desejo por gestos afetivos não era exagero nem carência – era apenas uma forma legítima de me sentir amada. Entendi que a ausência dessas expressões não necessariamente indicava desamor. Mas isso também não tornava a falta menos real. A necessidade permaneceu ali, silenciosa, pedindo espaço para existir sem julgamento.

É possível estar em um relacionamento estável e, ao mesmo tempo, lidar com uma lacuna emocional que não sabemos como preencher sem parecer ingratas.

E se o problema não for o amor, mas a forma como ele é demonstrado?

Há pouco tempo vi um conteúdo sugerindo que a forma como alguém presenteia pode revelar traços emocionais mais profundos. Aquilo ficou ecoando em mim. E, por um momento, me peguei pensando: “E se ele só não sabe demonstrar amor como eu gostaria? E se esse silêncio tem raízes que não são sobre mim, mas ainda assim me ferem?”

Mas logo percebi o risco de rotular uma pessoa com base em um único comportamento. Relacionamentos são complexos, e amor não segue um roteiro. Algumas pessoas demonstram por meio de atos de serviço. Outras com presença, outras com palavras. E algumas ainda não aprenderam a expressar afeto – especialmente se vieram de contextos familiares que não favoreciam essa fluidez emocional.

Talvez ele tenha crescido em um ambiente onde o afeto não era demonstrado com facilidade – onde o controle e a rigidez foram mais presentes do que palavras amorosas. Pode ser que, por proteção, tenha aprendido a se calar, a observar mais do que expressar. E hoje, o cuidado que oferece em silêncio talvez seja a forma que encontrou de dizer: “Eu estou aqui, mesmo sem saber exatamente como mostrar.”

O que descobri ao olhar para minhas próprias necessidades

Com o tempo – e com ajuda terapêutica -, entendi que não se tratava de julgar o comportamento dele, mas de reconhecer o que eu preciso para me sentir amada. E isso mudou tudo.

Percebi que meu desejo por declarações, gestos simples, surpresas pequenas, não era um “capricho”. Era uma expressão legítima da minha linguagem de amor. E se eu precisava disso para me sentir nutrida emocionalmente, não havia motivo para esconder.

Mas aqui entra o ponto delicado: nem sempre temos coragem de verbalizar o que sentimos, principalmente quando o outro já parece “fazer tanto” dentro daquilo que consegue oferecer.

Por isso, comecei com um exercício simples: escrevi uma carta que eu não precisava entregar. Apenas para organizar o que se passava dentro de mim.

Uma carta não entregue (mas reveladora)

Na carta, eu dizia:

  • “Sinto falta de ouvir que sou amada.”
  • “Gostaria que você me surpreendesse de vez em quando – mesmo que fosse só com um abraço mais longo.”
  • “Queria não ter que pedir as coisas. Queria sentir que, às vezes, você adivinha.”

E então percebi: não era sobre presentes caros ou gestos teatrais. Era sobre sentir que fui lembrada sem ter que solicitar. Sobre não ser só a planejadora, a cuidadora – mas também o destino de um cuidado espontâneo.

O que fazer quando não há espaço (ou coragem) para conversar?

Confesso: ainda não tive essa conversa com ele. Ainda não me senti pronta.

Mas isso não quer dizer que nada esteja mudando.

Enquanto não verbalizo, comecei a agir silenciosamente a meu favor. Comprei flores pra mim. Escrevi bilhetes com elogios e colei no espelho. Fiz um jantar à luz de velas só para me lembrar que romantismo também pode vir de mim.

E foi um alívio perceber que parte do amor que faltava não dependia dele – mas da minha disposição de me reconectar comigo.

O equilíbrio possível entre estabilidade e romance

Estar em um relacionamento longo é, muitas vezes, sobre manter o equilíbrio entre o previsível e o desejo. Nem sempre quem está ao seu lado vai saber como atender às suas necessidades afetivas sem que você diga com todas as letras.

Mas isso não significa que você precisa viver em silêncio. Nem que precise romper com tudo para buscar “mais”. Significa apenas que você pode se permitir sentir a falta – e procurar formas de supri-la com delicadeza e responsabilidade.

Se houver abertura, uma conversa pode ajudar. Mas mesmo que ela não aconteça agora, você pode começar por si: se conhecer, se nomear, se validar.

Você não está pedindo demais

Querer surpresas não é futilidade. Querer ouvir “eu te amo” não é carência.

Amor silencioso também é amor. Mas amor demonstrado é alimento. E ninguém precisa viver só da metade se pode buscar o todo.

Nem sempre a gente encontra respostas imediatas. Às vezes, nem mesmo um caminho claro. Mas o simples ato de reconhecer o que sentimos – e o que ainda nos falta – já é um movimento poderoso de cuidado.

Ainda não tenho a resolução completa. Mas saber onde dói, o que desejo e o que pode fortalecer essa relação é, por si só, um grande passo.

Porque o amor também se constrói assim: com escuta, com silêncio, com pequenos reconhecimentos. E principalmente, com coragem de olhar pra dentro – mesmo quando ainda não sabemos como dizer em voz alta.

Nota importante: Este conteúdo é baseado em vivências e reflexões pessoais, e não substitui orientação psicológica profissional. Para aprofundar questões emocionais, procure um psicólogo ou terapeuta de confiança. Em crises, busque ajuda: CVV (188), CAPS ou emergência (192).

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