Receber, recusar, preservar: um dilema social cotidiano

Notal: Este é um relato pessoal. 
Não substitui apoio psicológico. Se estiver em crise, busque ajuda especializada: você não está sozinho(a).

Receber um convite pode parecer simples. Mas às vezes ele carrega muito mais do que um “você vem?”. Carrega dilemas internos, expectativas sociais, comparações silenciosas. Foi o que vivi outro dia.

Uma conhecida, que me convida com frequência para eventos na sua casa, voltou a chamar. E lá estava eu, pensando se deveria ir.

Já falei aqui sobre o dilema de dizer “sim” quando tudo em mim pede silêncio. Mas com isso, a cena se repetiu – e veio com outros contornos.

Quando um convite vira um dilema

Recebi mais um convite para um encontro social. A princípio, nada demais. Mas lá fui eu para o redemoinho interno: “Devo ir?” “Estou fugindo da convivência?” “Ela convida tanto… será que estou sendo ingrata? ”

A questão nem era sobre a festa. Era sobre mim.

No papel, era só um “sim” ou “não”. Mas por dentro, foi angústia e autoquestionamento. Não porque eu não goste da pessoa, mas porque existe uma parte de mim que ainda precisa aprender a recusar sem culpa.

Me peguei em uma dança interna: vou por consideração ou por obrigação? Vão ficar chateados se eu não for? Ou ainda: E se acharem que evito eles por que me acho melhor do que os outros? Que sou estranha?

E a resposta honesta é: talvez pareça. Mas não é o que sinto. Só estou tentando ser coerente com quem sou sem ferir ninguém nesse processo.

A dúvida do dia revelou um nó antigo: o medo de desagradar, de parecer indiferente, de não corresponder às expectativas alheias.

O que mais pode estar por trás disso?

E então veio a outra questão: Será que o incômodo vem porque eu também não retribuo? É medo de também ter que abrir a minha casa? Não chamo para minha casa. Nunca organizei um jantar “de volta”. E talvez nunca vá organizar.

Quando percebo que a outra pessoa convida com frequência e não recebe o mesmo de volta, bate aquela culpa sutil. “Você vem, mas nunca chama.” / “Você não retribui”. Parece que não convidar é um sinal de desinteresse (ou de aproveitamento), quando, na verdade, eu nem queria tanto ser convidada assim. É só que às vezes vou por carinho, outras por educação, outras porque até gosto de estar ali… mas nem sempre estou inteira praquilo.

Não é desinteresse. É meu limite.

A verdade é que eu sou mais reservada. Gosto do meu cantinho, do barulho da casa quieta. Recarrego-me no silêncio, não na agitação. E mesmo que admire quem ama reunir, eu simplesmente não consigo ocupar esse lugar com naturalidade, muito menos de anfitriã.

Às vezes, me pego receando julgamentos: que pareça metida, fechada ou ingrata. Quando, no fundo, só estou tentando me preservar. Não é um cálculo de “ela me deu, eu dou também”. É só que essa troca não me cabe – e me forçar a caber seria não me respeitar.

Não é aproveitamento. É só um desencontro de jeitos. Ela expressa afeto reunindo pessoas. Eu, respeitando meus limites.

Às vezes, o receio nem é o de abrir a porta – é o de não conseguir fechá-la depois.

Tenho receio de que, ao convidar uma única vez, a pessoa interprete aquilo como uma permissão irrestrita: sentir-se em casa sempre, aparecer sem avisar, cruzar uma linha invisível que, para mim, é muito clara. Já aconteceu isso antes – e acho mais difícil reverter. Talvez por isso eu evite esse gesto. Não por falta de afeto, mas por zelo de perder o pouco espaço que ainda consigo preservar.

Para alguns, receber é rotina. Para mim, é exceção – e nem sempre estou pronta para sustentar as consequências que vêm depois de um “entra”.

Talvez sejam as afinidades que (não) se explicam – Só talvez!

Com o tempo, fui percebendo que nem toda conexão pede profundidade. Há amizades que são como varanda: espaços de troca breve e ventos leves. Outras são quintal: onde a gente pisa descalça e se estica inteira.

Fui compreendendo que está tudo bem em ter essas diferenças. Nem toda simpatia precisa virar intimidade. Nem toda festa precisa ser frequentada. E principalmente: nem toda conexão exige que eu me molde ao que esperam de mim.

Ao me forçar a estender esse afeto além do meu alcance, acabo ficando exausta. E relações que exigem esse esforço constante talvez não sejam para mim – ao menos não da forma como consigo sustentar.

Reconhecer isso é um tipo de maturidade emocional. Não é descaso – é cuidado com minha energia, meu tempo e minha saúde emocional. E com o tempo, percebi que vínculos verdadeiros não cobram presença forçada – eles respeitam ausência sincera.

O “não” que também cuida

Aceitar um convite, recusar um convite. São só gestos do cotidiano. Mas por trás deles, há todo um território emocional que merece respeito.

Nem toda presença é física. Nem todo carinho vira festa. Nem toda simpatia se transforma em intimidade.

Hoje, entendo que minha ausência também pode ser delicada. Que meu silêncio não precisa de justificativa. Que minha forma de cuidar começa em não me deixar por último.

E que quando eu digo “não” com honestidade, é porque estou dizendo “sim” para aquilo que me mantém inteira.

Nota: Este conteúdo reflete vivências pessoais e não substitui terapia profissional. Em crises, busque ajuda: CVV (188), CAPS ou emergência (192).

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